sexta-feira, 22 de maio de 2015

No coração do Alentejo...

As rodas do carro deslizam a toda a velocidade pelo coração do Alentejo... A estrada, lisa de tão bem alcatroada ou do pouco movimento, é longa, em linha recta, interminável. O ar-condicionado ligado no frio faz disfarçar o calor que se sente lá fora, ainda a Primavera vai a meio neste mês de Maio. E o sol põe-se por trás dos montes acastanhados, recortados por um céu límpido e azulado.

O carro abranda quando surge uma ou outra curva. Pela janela, acompanho a paisagem que vai passando como sucessivas cenas de um filme. Vêem-se árvores que não são pinheiros, nem eucaliptos, nem uma qualquer árvore de fruto. Que vida alimentas tu, Alentejo, em forma de árvore? Não decifro... Apenas decifro a vida das cegonhas, cujos ninhos se sucedem no cimo de apoios improvisados, qual poste de electricidade. Estes são de madeira, num tronco que nasce do chão em direcção ao céu. Ali, os seus ninhos parecem seguros. Ali, as suas casas fazem parecer uma urbanização, todas alinhadas, a perder a conta, junto à estrada que não tem fim.

Subitamente, a apreciação rural vai-se. Esquece-se a paisagem, a vida calma que se faz sentir lá fora e a pacatez. Cá dentro, embalado pelo carro, a vida entra mentalmente em retrospectiva, em pensamentos vagos e vãos. Num turbilhão de emoções. O passado baralha-se com o presente enquanto se faz contas com o futuro. A insatisfação, a saudade, o desejo, a ambição... tudo junto e misturado, sem uma ordem concreta. Confuso, simplesmente confuso. O que se fez no passado? O que se sente no presente? O que se quer para o futuro?

Entra-se numa povoação de casas caiadas de branco. Tão alentejanas. Tão pacatas. Ruas praticamente vazias. Quem vive aqui? Um lugar tão pequeno, aqui perdido por entre os campos, que não me chega a deixar contemplar toda a sua singular beleza. Atravessa-se rapidamente a povoação e regressa-se à estrada infindável, em linha recta, igual àquela que nos levou à aldeia. Volta-se ao caminho de outrora, com a mesma paisagem. 

Novos pensamentos surgem, enquanto a cabeça tomba para o vidro do carro, acompanhando o olhar perdido na natureza. O sol já não se vê, restando apenas uma réstia de luz que não tarda nada se apagará. É a chegada da noite num Alentejo silencioso. O silêncio que ouço quando chego ao meu destino, a mais uma pequena vila alentejana. Sem gente, mas cheia de calor a fazer lembrar as noites de verão. É tudo tão tranquilo que, independentemente dos fantasmas que surgiram na viagem, faz-me querer ficar por cá.

domingo, 26 de abril de 2015

Eterno insatisfeito

Este sou eu: um eterno insatisfeito. Uma espécie de António Variações e o seu "porque só estou bem aonde não estou". Defino-me assim, numa incessante vontade de mudar e crescer, de não estagnar, de fazer o que realmente gosto. Enfim, ser feliz!

Foi sempre isso que pautou as minhas decisões e, até, ditou o meu estado de frustração: a felicidade. Gosto de acordar e saber que as minhas horas do dia vão ser preenchidas por algo que gosto de fazer, pelo qual me gosto de esforçar, transpirar ou até sofrer. Sentir que o tempo dado a algo em que tenho forçosamente que me empenhar irá valer a pena. Não necessita de mudar o Mundo; necessita, apenas e só, de me preencher.

Sempre pus o trabalho à frente de tudo. Porque queria ser bem-sucedido, porque sempre acreditei que iria vingar na área a que me propus trabalhar, porque sempre tive garra. Foram poucas as vezes que desmoronei ou esmoreci. Foram raras as vezes que atirei a toalha ao chão. Mesmo a cair a pique na realização profissional, engoli o choro e segui em frente, a subir os degraus cada vez mais íngremes.

Nunca fui acéfalo, nem dissimulado. Tive sempre o coração na boca e praguejei mesmo quando devia estar calado. Pequei sempre por isso, por falar de mais, muitas vezes sempre pensar, sem ser calculista. Sem medir as consequências, às vezes tão severas, nesta selva laboral. Não porque quisesse mostrar que não tinha medo. Não para ser um herói. Para querer ser transparente? Talvez. Para mostrar que dou valor ao que faço? Quem sabe...

Quis parar quando não era feliz. Quando o amor-próprio falou mais alto. Agora, olhando para trás, percebi que talvez não tivesse a bagagem necessária para aguentar tudo, que talvez não tivesse crescido o quanto acreditava. Cheguei a convencer-me que tinha hipotecado o meu futuro. E, se calhar, hipotequei mesmo... se tivesse aguentado, como seria agora a minha vida? Fui ao fundo, para poder sentir que era feliz, mas depois fiquei arrasado porque não me consegui erguer quando acreditei que seria fácil. E foi difícil. Tão difícil. 

Depois de sair do fundo, vim à tona. Cresci, aprendi e voltei a acreditar. Envolvi-me, ganhei defesas, fui feliz. A vida quis ser uma montanha-russa e eu deixei. Sempre emocional, muito pouco racional. Fui ao sabor do tempo, do que queriam para mim. Pouco importou, se fazia o que realmente gostava. Quando o caminho terminou, saltei para outro trilho, na vontade de fazer algo novo, de mostrar que não paro. Que me consigo reerguer, que já conheço as regras do jogo e posso seguir em frente. Uns dias melhores que outros, é certo. Fiz o que não gostei e o que gostei. Agora faço o que gosto e o que não gosto.

São assim os meus dias, nesta incerteza do que quero. Sempre incerto, sempre insatisfeito. Num sabor agridoce, a acreditar que, em breve, voltarei a fazer o que gosto e me dá prazer. Que trabalhar não é, apenas, sinónimo de "ganhar dinheiro". Mas, até lá, vai-se sobrevivendo, esperando que o amanhã seja sempre melhor. Acreditando, sempre, que haverá ainda muito mais por vir.

domingo, 1 de março de 2015

Aguentar o peso de uma decisão

É sempre preciso dar um passo e tomar uma decisão. Fazer uma escolha. Há sempre caminhos a optar e o difícil é saber qual o certo por entre tantos errados. Mas, quando se opta pelo caminho errado - e é sempre tão fácil cometer esse erro! -, há que saber arcar com as consequências.

Olhando para trás, reparo que talvez tenha cometido demasiados erros nas opções que tomei. Talvez tenha escolhido demasiados caminhos errados e, quem sabe, hipotecado o meu sucesso pessoal. Não sei, ninguém sabe... A verdade é que sempre suportei todas as consequências. E mesmo quando não fiquei feliz com o caminho escolhido, suportei. Isso fez-me crescer, tornar-me mais forte, amadurecer.

Acredito que ninguém goste de ter a sensação de que tomou uma má decisão. Que essa decisão se prolongará no tempo e impedirá de tomar uma nova decisão, talvez melhor que aquela que outrora se tomara. Mas agora é tarde e há que aguardar... em breve, esfumar-se-à o resultado da decisão tomada. Como tudo na vida, terminará o tempo dominado por essa decisão.

Não gosto de sentir que estou a perder tempo. Que as horas passam, que os anos se contabilizam e as oportunidades futuras já serão outras. Sou um eterno insatisfeito, incansável na luta pelo meu crescimento pessoal e profissional. Já corri muito, já subi muitos degraus, já alcancei muitos muros e ultrapassei etapas. Umas mais fáceis que outras. Agora, enfrento uma difícil e conto os dias para que tudo termine. Aguardo por uma nova etapa, que me faça viver, que me deixe realizado. Se o que não me mata, torna-me mais forte, o que me satisfaz torna-me mais feliz!

domingo, 18 de janeiro de 2015

Cansado...

Estou assim, neste final de semana (ou será início?)... cansado! Cansado fisicamente. Com o corpo a doer, com a cabeça a pedir descanso, com as pernas a implorar por uma cama macia. Depois de uma semana a "renascer das cinzas", o final dessa semana trouxe o embate da nova aventura, da superação, da aceitação por uma etapa diferente de todas as que já passei.

Decidi aceitar um novo desafio profissional. Sabia que não só seria diferente de tudo o que já fiz, como exerceria funções totalmente distintas daquelas que desempenhara em todo o meu percurso. Confesso que não hesitei. Quis ir à luta. Não é de mim baixar os braços e apesar da incerteza do que aí viria, não me amedrontei e encarei de frente o que vinha na minha direcção. E, a partir de agora, o que tiver que ser, será!

Os (re)começos nunca são fáceis. Pessoas novas, métodos distintos, ritmos diferentes. Só alguns conseguem acompanhar todos os passos e encarar sem medo as reprimendas das primeiras falhas. Quem supera essa difícil etapa, está pronto para seguir em frente, ciente de que os próximos desafios continuarão a ser duros. 

Sim, é difícil manter a cabeça erguida e convencer-se de que não se é um falhado. Que os buracos do caminho não são um atentado ao nosso orgulho, mas um desafio à nossa resistência. Que as falhas são normais, que quem não erra é porque não vai à luta, que só quem não se desafia não aprende a caminhar pelo caminho da diferença. E fazer algo diferente é desafiante, é mostrar que afinal se está vivo e pronto para a batalha!

Estou assim, cansado. Mas animado. Depois do primeiro embate, ouvi palavras de apoio. Apesar de ter corrido para engrenar numa máquina oleada, sinto que não desiludi quem apostou em mim. Que o saldo desta primeira semana é positivo. E agora, depois da reflexão e análise de uma primeira semana de um caminho novo, posso descansar. Mas não me encostarei, pois ainda há muito para provar!

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Charlie está no meio de nós

12. 7. 5. 2. São estes os quatro números que não se podem esquecer. Que carregam consigo um ataque que feriu o Mundo. Um ataque que nos quer calar. A todos. Porque "somos todos Charlie".

Bastaram 5 minutos para que 2 homens matassem 12 pessoas a 7 de Janeiro no coração de França. Em Paris. Destes números, estão oito jornalistas do Charlie Hebdo que, com humor, puseram sempre o dedo na ferida, em nome da liberdade de expressão. Uma liberdade contra o silêncio, o medo, a opressão. Uma liberdade ambicionada durante anos, décadas, pela qual tanto sangue foi derramado. E ontem, em pleno século XXI, voltou a jorrar sangue em nome do silêncio.

Por trás deste ataque bárbaro estava uma louca vontade em vingar o Profeta Maomé. Mas matar em nome do Profeta não faz, também dele, um assassino? Qual é o Profeta, seja do ponto de vista de qualquer religião, que quer ver alguém morrer a sangue frio? Não sei se apelar à sensatez é pedir muito a esses homens de negro, sem rosto, cujas caras começam a revelar-se um pouco por todo o Mundo na comunicação social. E o que será que vai na cabeça desses homens, fechados e perdidos num tempo, cujas crenças passam por puxar o gatilho de uma arma?

O Profeta Maomé, também ele, foi perseguido no seu tempo por ter dito o que pensava, por ter pronunciado uma mensagem que apelava à protecção de duas religiões, o Judaísmo e o Cristianismo. Fora, então, perseguido pelos habitantes de Meca e, inclusive, pelos seus seguidores, que o fizeram abandonar aquela terra em 622. E, agora, em 2015, deparamo-nos com um contra-senso. Como se pode querer calar alguém em nome de um outro alguém que teve que fugir da sua terra com medo de represálias pelo que pensava e proferia? Como se podem agora empunhar armas, sem qualquer racionalidade ou como forma de julgamento, em nome de uma religião? Quereria o Profeta Maomé que se treinasse para disparar, sem hesitar, em nome da religião que criara, o Islamismo?

Sem dó. Sem piedade. 12 pessoas morreram assim, para preservar uma conquista que carrega a luta de gerações. Foram tantos os que lutaram noutros tempos, sem artilharia pesada, sem armas de guerra, para que hoje pudéssemos ter o direito de falar, de nos exprimirmos, de sermos livres. De sermos quem somos. De termos a possibilidade de sair à rua e dizermos, sem medo de represálias, o que pensamos.

E o medo, esse, pode ter voltado a surgir. Mas seremos mais fortes. Não nos calaremos. Não daremos um passo atrás, nem cederemos face ao terrorismo. Sem armas, mas com palavras, uniremos os povos para preservar o que foi conquistado, esse bem tão precioso que é a liberdade de expressão. E estas mortes, numa dia que fará parte da História, manterão vivas a vontade e a necessidade de, todos nós, termos liberdade. A partir de agora, há um nome que não se poderá esquecer: Charlie. Um nome que simbolizará a luta contra o terrorismo, nessa luta sem armas. Um nome que, a partir de agora, estará para sempre no meio de nós.

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

2014 já lá vai!

Criei o Amarrotar no fim de 2013, como quem marca o início de uma nova etapa. Não era já, de todo, uma resolução de ano novo nesse 2014 que estaria prestes a começar! Era, sim, a expressão da vontade em criar um espaço pessoal, como quem dá um pouco mais de si a um tempo que se quer só seu. É isso: criei um espaço para me exprimir e para ocupar alguns dos meus dias. Ou algumas horas de uns dias menos preenchidos.

Mas com o chegar do novo ano, chegou também uma nova etapa que me levou para longe deste meu espaço. Compreensível, pois essa nova etapa há muito que era desejada, ambicionada, sonhada. Esperei tanto por essa nova fase na minha vida... Qual fénix, renasci e fui à luta, mostrei a minha garra, a minha essência e provei que não se chega onde se quer se não se lutar. A subir os meus próprios degraus, sem ajudas ou facilidades, fui em frente. Aprendi muito - oh, se aprendi! - valorizei, ignorei, esperancei-me, desiludi-me. E caí. 

Depois de muitas batalhas, fui conhecendo as pessoas. Fui percebendo os meandros do meio em que me inseri, o meio que constrói esta área a que me entrego profissionalmente. Fiz amigos, dei provas do meu talento, errei e acertei. E, mesmo percebendo as jogadas e as regras do jogo, mantive-me fiel a mim próprio, à minha essência, dando mostras do meu carácter. Fui julgado, (mal) interpretado e desvalorizado. Fui abaixo e levantei-me. Outra vez. Como sempre. 

A aprendizagem não nos faz aprender mais enquanto peões num jogo que se faz diariamente; ajuda-nos a sobreviver nesta selva, onde outros peões jogam à sua maneira para se manterem no tabuleiro. E, conhecendo cada vez melhor as pessoas, do que são feitas e do que são capazes, vamos percebendo o nosso caminho e o que queremos fazer para chegar ao nosso destino. Há sempre vários caminhos - uns melhores, outros piores - e só nós sabemos qual seguir, para chegar cedo ou tarde à meta. E chegar cedo não significa ser-se melhor; pode significar ser-se pior... em carácter, em lealdade ou em sinceridade. Somos nós que escolhemos ser quem somos.

Depois de uma nova aprendizagem, virei a página. Agora, tenho outra em branco, pronta a ser preenchida, com novas ensinamentos, com novas experiências. Num sinal de novo ano, de novos tempos, de novos ventos. Porque não desistir é não só um sinal de resistência, como de valentia. E só alguns teimam em ser valentes... mas até quando?

sábado, 22 de fevereiro de 2014

Regresso a casa

Se há coisa que nos tornamos, com a vida, é saltimbancos. Desde pequenos que andamos de um lado para o outro com os nossos pais, indo para onde vão, quase sempre "sem voto na matéria". Mas, há ali uma altura da nossa vida, em que vamos sozinhos e deixamos para trás as amarras. E, nessa altura, definimos o nosso destino.

Seja qual for a circunstância que nos faz abandonar a nossa casa, rumamos a um novo destino, a um lar que nunca conhecemos e logo nos adaptamos ao novo «casulo». Aprendemos a gerir o nosso espaço, a cuidar dele e a respeitar as paredes daquele que está ao nosso lado. Porque quando vivemos em casas partilhadas, aprendemos a viver com quem gostamos ou não gostamos, começamos a saber o que é lidar com outros hábitos e outras rotinas... Aprendemos a gerir tempo, espaço e emoções.

Depois a vida começa a desenrolar-se e voltamos a mudar de lar ou de cidade. Voltamos a dar de caras com novos ritmos, novas rotinas, novos ambientes. Tudo volta a ser novo! E habituamo-nos. Acostumamo-nos. Para trás fica a nossa casa, a família, as nossas raízes. Voltamos lá de vez em quando, ora com maior frequência, ora com menos tempo. Mas voltamos. Sempre.

A vida, volta e meia, mostra que é irónica. Muito irónica. Passamos uma adolescência a querer sair de casa dos pais, a querer viver uma vida independente, num espaço novo, numa terra nova, sem amarras. Depois, a vida passa, os anos passam e queremos voltar a casa com maior frequência. Para os braços da família, para o quarto que nos viu crescer, para a cama que nos conhece tão bem...

E esse período é sagrado. Ficamos no sofá onde rimos e chorámos, a ver televisão ou, simplesmente, a ver o tempo passar. Saímos de casa para percorrer a cidade que nos viu crescer. Acenamos aos vizinhos que vão envelhecendo... Tudo se vai alterando, mas ao mesmo tempo, sabe sempre tão bem regressar e respirar o ar de outros tempos. E sabe ainda melhor os mimos de quem nos conhece tão bem... por mais que nos tenhamos tornado adultos!