segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Adeus!

Mais uma contagem decrescente! Uma semana separa a contagem decrescente para o Natal daquela que é feita para nos despedirmos do velho ano. E, mais uma vez, os olhos concentram-se no relógio que marca as horas de um tempo que nunca pára.

Vamos despedir-nos de um ano que está mais do que vivido. Um ano que, para alguns, valeu a pena e, para outros, está mais do que na hora de acabar. É então chegado o momento da retrospectiva, do balanço, da reflexão. É a hora certa para arrependimentos, para largar as mágoas, para chorar o que ainda não foi chorado... Que se entre com o pé direito no novo ano!

A esperança marca presença nesta recta final. Esperança num novo ano, na vontade que venham ventos melhores, que a maré acalme. Acredita-se sempre que é desta que o sol vai nascer para todos. Que é chegada a hora de triunfarmos, depois da tempestade atravessada.

Ultimam-se os preparativos. A passagem de ano tem que ser épica. Como sempre. Porque só uma vez no ano é que se festeja assim o fecho de um ciclo e o começo de outro. Com direito a champanhe, às doze passas, aos confetes, à música nas alturas, aos adereços e à comida à fartazana! Uma noite de embriaguez de espírito alegre, onde as almas, revitalizadas, abraçam o novo tempo.

O fim está próximo. O tempo está a sumir-se. As horas estão a esgotar-se. Irão surgir as habituais notícias de um Mundo que, ao seu ritmo, vai trazendo aos poucos o novo ano ao planeta. E, em breve, o calendário vai mudar. É chegado o momento de largar o que deve ficar para trás. É chegada a altura de dizer adeus.

sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Acreditar num novo amanhã

Há sentimentos que não se explicam. Que não se verbalizam. Que não se exteriorizam. Estão cá dentro, bem no interior do nosso ser. Há uns que nos corroem, é certo. Mas há outros... Há outros que são bons, bons de mais. Acalmam-nos e enchem-nos de esperança. De esperança num novo amanhã.

Deve ser da época. Desta altura do ano, em que a chuva cai por entre as luzes psicadélicas que enfeitam as ruas. Estas ruas decoradas a rigor, lembrando o Natal e o novo ano que se avizinha. Deve ser destes dias em família, do coração cheio de afecto, da energia positiva que paira no ar.

Este sentimento é tranquilizador. Faz-nos acreditar que melhores dias virão, que está para breve uma grande mudança. Que a vida pode entrar nos eixos. Faz-nos crer que o pior já passou, que chegou a vez de encontrar um rumo. Um rumo certo, sonhado, desejado. Um caminho mais próspero, cheio de luz.

O fim de um ano traz consigo a esperança. A esperança que aquele que está prestes a nascer seja melhor. Acredita-se, sempre, que há-de ser melhor. Que se vai alcançar o que se deseja, o que se ambiciona, o que se sonha. Porque quem acredita, vive melhor. Vive com um coração iluminado, cheio de fé, repleto de paz.

Acreditar que o caminho tortuoso, aquele que se percorre, irá chegar ao fim, é fundamental para se ir mais além. Para se encontrar a paz interior. Para se sentir rejuvenescido. Porque como o sol quente que rasga o horizonte trazendo um novo dia, quem acredita num novo amanhã nasce de novo. Nasce para a vida. 

segunda-feira, 23 de dezembro de 2013

Morte ao bacalhau!

Contagem decrescentes. Está a chegar o dia. O grande dia. Aquele dia que todos aguardam, por mais que haja gente que o comece a detestar: porque trabalha quando todas as famílias estão reunidas ou porque, simplesmente, não tem a família perto. Mas, generalizando, todos aguardam por este dia que, quer se queira quer não, está presente em toda a parte a sua chegada.

O Natal está à porta. Falta pouco. Falta muito pouco. E o frenesim está instalado, porque não há tempo, porque nunca há tempo. E, por mais que houvesse, seria sempre pouco. Porque à última da hora é que toda a gente faz tudo. É que se compra o que se podia ter comprado há dias atrás, mais o que se tem que comprar agora. Formam-se filas, amontoa-se a comida feita e os produtos para confeccionar outras refeições. A lista feita, com os bens essenciais alinhados, começa a ser riscada à medida que o carro de compras do supermercado se vai enchendo. Nada pode faltar!

A árvore de Natal, enfeitada a rigor, está despida de presentes que não se amontarem debaixo dos seus ramos. Aqueles presentes escondidos das crianças que, na sua inocência, acreditam que o senhor de barbas, barrigudo e vestido de vermelho, as vai trazer na noite da Consoada. Aqueles embrulhos que, miraculosamente, vão surgir na hora de serem abertos, depois de ecoar o Oh! Oh! Oh!.

Na rua, ouvem-se as conhecidas canções de Natal, a acompanhar as iluminações que chegam nesta época. A televisão, a lembrar a época festiva, estreia filmes. Aqueles que vimos no cinema, mais os que ficámos de ver. A família, reunida à noite, acompanha a programação especial, entre conversas, risos e o sono que começa a chegar, da barriga cheia do jantar.

O jantar, igual ao de todos os anos na véspera de Natal, tem sempre a mesa cheia. Com o tradicional bacalhau a abrir as hostes antes de nos refastelarmos com os doces típicos. Aquele bacalhau que virou moda amaldiçoar. Porque não se gosta, porque «não me apetece», porque se prefere outra coisa. Como se se comesse bacalhau cozido numa noite, ao jantar, viesse o mal ao Mundo! Como se noutra época do ano não se comesse bacalhau e no caso de haver quem não o coma de todo, esse alguém vá apanhar uma indisposição por comer um bocado desse peixe com batata cozida! É o boicote à tradição, ao espírito natalício, por mera infantilidade e falta de bom senso. Mas é Natal e a infantilidade é permitida. Afinal, quem não gosta, mesmo lá no fundo, no fundo, no fundo, do Natal?

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Quando a injustiça vira lei

Já não me chocam as injustiças que, por vezes, sinto que passo. É normal, nos dias que correm, onde há «dez cães a um osso», que quem fique com o osso não seja o cão mais forte. Nem o mais eficaz. Nem o mais competente. Não me choca que, no meio desta guerra sem lei, se usem todas as armas.

Às vezes quero não me chocar com certas e determinadas injustiças. Quero convencer-me de que são «normais», de que já «vale tudo», de que não há espaço para inocências. Que é obrigatório estar-se preparado para tudo, para «o que der e vier», para que não sejamos apanhados na curva. E, fundamentalmente, é essencial estarmos um passo à frente de todos os outros.

Eu tento não me chocar com as injustiças. Juro que tento. Mas às vezes não dá. Às vezes não consigo. Às vezes é mais forte do que eu. E fico abismado com elas. Porque também não conto que, numa esquina muito próxima, esteja sempre alguém pronto a «pregar partidas». Porque quero acreditar que as cartas estão lançadas e que não há batota. Mas há sempre espaço para a batota. Há sempre espaço para o bluff.

É difícil ficar alheio quando a injustiça assola uma pessoa muito próxima. Porque, no fundo, quando é comigo já estou habituado. Ah, se estou! Mas, quando é com alguém de quem gosto, dificilmente estou a contar. Não estou preparado. Não estou alerta. E aí o embate é grande. Porque me envolvo, porque me revolto, porque partilho da mesma emoção. E não me conformo.

Estamos mais que habituados a olhar para o nosso próprio umbigo e chega-nos a ser indiferente as barreiras e os obstáculos dos outros. Porque estamos sempre mais preocupados em sobreviver. Porque a vida tem mais ratoeiras que aquelas que deveria ter. Mas, no nosso caminho, vão-se cruzando pessoas que, no fim, fazem isto tudo valer a pena. E é com essas pessoas que nos devemos preocupar. E dar força. E estar lá quando é preciso fazer frente às injustiças da vida. Porque se a injustiça virou lei, a força de vencer virou uma arma.

quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

O segredo está na essência

Com o avanço dos anos, com o crescimento, transformamo-nos. Mudamos quem somos, alteramos a nossa personalidade, vamos crescendo com os trambolhões da vida. Caímos e levantamo-nos. Resistimos. 

O passar dos anos torna-se, então, numa prova à nossa identidade. Perceber quem somos, descobrir para onde queremos ir, saber pelo que havemos de lutar é a grande missão. Uma missão que, por vezes, se revela dura. Para corajosos. Pois no caminho, por vezes, esquecemo-nos de quem somos. Deixamos de nos reconhecer. Perdemo-nos de nós próprios.

O problema é quando nos perdemos de nós próprios. Quando começamos a ter saudades de quem fomos. Da nossa essência que sempre nos distinguiu, nos caracterizou, nos marcou. Saudades da sonoridade da nossa gargalhada, do trejeito do nosso sorriso, da verdade do olhar. Da nossa marca enquanto Ser com personalidade.

Sermos fiel a nós próprios requer trabalho. Um trabalho psicológico difícil, de quem não sofre com as paredes invisíveis em que se embate ao se errar. Porque é importante ser-se resistente, não duvidar, não deixar que nos digam como havemos de ser. Não esquecermos do caminho que trilhámos, da vida que escolhemos, dos esforços que fizemos para chegar onde chegámos. Da garra de quem sempre esteve pronto para a guerra.

O segredo para se vencer quando somos postos à prova, mais uma vez, depois de sucessivas batalhas perdidas, está na nossa própria essência. O trunfo é deixarmo-nos levar, esquecermos tudo e todos, ignorar as vozes vãs. E, assim, lutarmos com a arma mais forte que temos: a nossa verdadeira identidade. Porque ao sermos, verdadeiramente, como somos, sem máscaras, sem medos, sem receios, mais facilmente estaremos perto de alcançar a plenitude. Mais depressa conquistaremos o que tanto ansiamos. Basta acreditarmos. Em nós próprios!

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Luz ao fundo do túnel

A esperança é a última a morrer. É verdade, mas é também a primeira que mata. Mata, principalmente quando o que esperávamos que se concretizasse, afinal, não passava de uma simples miragem. E, aí, mata cá por dentro, corrói os sentidos, acaba com a força que ainda se tinha. Força para lutar, para viver, para vencer.

Há sempre uma luz ao fundo do túnel. De quando em vez, no caminho escuro e tenebroso, surge uma luz. Às vezes forte, outras vezes com pouca intensidade. Mas que nos alimenta a esperança e a vontade. A vontade de sair dessa estrada ao ziguezague, desse local em que caminhamos. Em que definhamos nos nossos obscuros sentimentos. E, essa luz, aparece para trazer de volta a vontade perdida, a vontade roubada, a vontade de lutar pelo que se quer alcançar.

Muitas vezes, mais que aquelas que se desejaria, a luz apaga-se. Porque não se concretizou o desejado ou, pior, porque alguém a apagou. Revela-se que, afinal, tudo foi em vão e volta-se à caminhada. Mas, apesar de difícil, os calos ganhos com o hábito de se pisar esta estrada faz com que tudo seja menos doloroso. Porque, mesmo às escuras, a estrada já não é desconhecida.

O que é importante nestas estradas escuras, nestes túneis, é que, por vezes, se veja a claridade. A claridade sábia de nos trazer à razão, de nos fazer pensar e acreditar. Afinal, nem tudo pode estar perdido. E, fundamentalmente, não nos podemos perder. Não podemos chegar a um beco sem saída. Temos sempre que caminhar em direcção à luz, acreditando que havemos de vencer esta etapa, feitos guerreiros. Porque quem acredita, alcança. E a luz ao fundo do túnel, um dia, há-de surgir. E, finalmente, será alcançável.

segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Asneiras entre amigos

Alguém inventou que o domingo era o dia reservado para a família. Aquele dia em que pouco ou nada se faz, mas que, apesar de apenas se garantir o mínimo, esse mínimo será passado em família. Depois há os casos em que a família está longe e, nessas situações, os familiares de sangue são «substituídos» por aqueles que a vida nos deu: os amigos. O importante é que esse dia não deixe de ser especial.

Acordar tarde a um fim-de-semana é sempre bom. Nomeadamente ao domingo, quando alguém implementou que esse dia da semana haveria de ser diferente dos outros todos, onde é permitido que cada um se arraste e faça o que quiser à velocidade que bem lhe entender. Mas, melhor que tudo, é acordar fora de horas e receber uma mensagem ou um telefonema que promete fazer do dia, que quase já vai a meio, especial.

Tirar o pé - e o corpo todo! - da cama à hora de almoço é fazer da primeira refeição um brunch. Mas demorar um bocadinho mais, faz com que o almoço seja feito à hora do lanche! E correr entre um restaurante e outro, na tentativa vã que se deixe encher o estômago depois das 15:00, é a aventura. Isto porque (também) alguém estipulou que aquela é a hora limite para se almoçar, mesmo a um domingo.

Quando se quer muito uma coisa, é muito provável que ela se alcance. Ou não! Mas há sempre quem tenha sorte, principalmente quando se tem cabeça para pensar em alternativas. E, quando «derrotado» pela probabilidade se consciencializa que não se vai conseguir atingir o desejado, o improvável acontece: o almoço, com o «estômago colado às costas», faz-se quase a meio da tarde. Enche-se os estômago, entre confidências, lamentações e revelações de amigos. Porque à mesa, com um prato de comida à frente, tudo se pode dizer. Todos são felizes.

Só os amigos sabem o que dizer quando, com a consciência pesada da barriga cheia, se toma noção da balança. As dúvidas, os medos e os receios. O pânico. A gordura que não se quer, o peso que se perdeu e não se pode recuperar... Tudo é dramático, principalmente quando se pensa no próximo pecado da gula depois daquele almoço excessivo e demorado. Mas o amigo, esse companheiro das «loucuras», sabe o que dizer para se atenuar a culpa e se avançar para o acto que se segue.

A tarde vai longa e a noite chegou. Apesar da barriga cheia, pensa-se num jantar leve. Aquele jantar que não valeria a pena, mas que a cabeça manda «enfiar-se» alguma coisa cá para dentro. E o amigo, presente, lembra que se pode avançar para uma sobremesa, quiçá um gelado. E, com um copo recheado à frente, voltam as gargalhadas, as cusquices, as lembranças e as saudades. As saudades de outros tempos, do início da amizade, do que já se passou e se promete passar... uns ao lado dos outros. Como sempre. Por mais que se passem os anos.

Dias assim são raros. Porque a vida, sempre cheia, sempre acelerada, sempre com adrenalina, faz com que os caminhos daqueles de quem se gosta se afastem. Mas lá à frente, depois de uma curva, pode haver um cruzamento e todos voltar-se-ão a encontrar. Porque os amigos estão ali, depois das curvas desta vida que nunca segue por um caminho recto. Para apoiar, para ajudar, para dizer aquelas palavras que sempre se quer ouvir. Porque, no fundo, um amigo é uma bênção, pois a amizade consegue ser mais forte que os laços de sangue.

sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Frio até aos ossos

O despertador toca. Maldito! Quem o mandou acordar? Quem o mandou acordar-me? De olhos fechados, tiro o braço de baixo do lençol, de baixo do cobertor, de baixo do edredão e, entre o dormir e o acordar, vou pelo escuro em direcção ao som irritante. Às apalpadelas, sabendo inconscientemente onde está, dou-lhe uma pancada.

É sempre assim. Todos os dias. Pelo menos desde que as temperaturas decidiram descer abruptamente. Desde que lá fora, onde o sol já nasceu, o frio impera. E adio a saída da cama. Adio acordar para a realidade. Adio, por mais dez minutos, só mais dez minutos, por-me de pé.

Recolhi o braço. Virei-me para o outro lado. Virei as costas aos despertador. Começo, novamente, a entrar no "túnel", a regressar ao sonho, a render-me ao sono. E, quando já me esqueci que há outra realidade para lá daquela que vai na minha cabeça, ele grita. O despertador. O maldito! O tempo passou e esgotou-se. Os (só mais) dez minutos evaporaram-se. Arreliado, volto a estender o braço para mais uma pancada, para silenciá-lo, para acabar com o som estridente que não se silencia sozinho.

Dez minutos. Sempre só mais dez minutos. Sucessivos dez minutos. Todos os dias assim. Todos os dias o tempo a voar entre o toque do despertador e o levantar. Diariamente a querer adiar o inevitável: jamais ficarei na cama, por mais que o frio me faça a roupa colar ao corpo.

Lá fora faz frio. Seria estranho se assim não fosse... E eu gelo. Gelo mal ponho os pés no chão. Gelo assim que a roupa da cama me deixa a descoberto. Assim que fico de pé. E o corpo não cede. Os ossos não rangem e não se queixam. Aperto-me. Aperto a roupa à minha volta. E, de olhos entreabertos, com as pálpebras a despertar, faço o sol invadir o quarto.

quinta-feira, 28 de novembro de 2013

Portas e janelas que se fecham

Derrotado. Hoje sinto-me assim, derrotado. Se calhar frustrado, também. E triste. Desiludido. Um misto de sentimentos nesta manta de retalhos, onde passa a luz da realidade pelas costuras mal cosidas.

A vida não é fácil. Acho que nunca ninguém disse que era. Mas também nunca ninguém nos prepara, verdadeiramente, para os trambolhões da vida. Se é que é possível alguém se preparar. Se é que é possível alguém adquirir, atempadamente, os artefactos necessários para suportar tudo.

Ir à luta é complicado. É para guerreiros, para sobreviventes, para quem não desiste e não baixa a cabeça. É duro, é difícil, é uma verdadeira prova de resistência. Pode ser "mortal" quando, do outro lado, ninguém joga com as mesmas armas. Quando o carácter, afinal, não é um trunfo, mas um acessório fácil de se descartar. Um empecilho, até. E quando nos deparamos com a mentira em vez da verdade, é sempre tarde: já caímos na ratoeira e alguém passou por cima.

Passar por cima do outro deve ser mais fácil que o que parece. Porque há quem o faça com à-vontade, com destreza, com engenho. Sem remorsos ou pesos na consciência. Consciência, aliás, é o que não há. No seu lugar está o vazio, o vácuo. Porque nesta guerra, ter-se consciência, é ter uma voz inimiga da sobrevivência.

Não é para todos. Isto, definitivamente, não é para todos. É preciso saber-se lutar com as armas dos outros, esquecer-se, por momentos, de quem se é, deixar de se ser fiel à essência de que se é feito. Porque nem sempre os fortes vão em frente. E nem sempre os resistentes se mantêm de pé.

Começar o dia com um «murro no estômago» não é agradável. Há quem fale em desistir, em optar por percorrer outro caminho. Mas desistir também não é fácil. Deixar para trás tudo o que se sonhou, tudo o que se concretizou, tudo o que se ambicionou, também é duro. Porque a vida é feita de sonhos. Porque eles nos alimentam a alma e nos dão energia enquanto se luta. Por mais que se percam sucessivas batalhas. Porque desistir, afinal, pode não ser opção. E, enquanto portas e janelas se vão fechando com o tempo, ainda há espaço para acreditar que, um dia, o telhado se vai abrir para entrar a luz. Porque é muito difícil o chão ceder ainda mais.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Asas para voar

Quem me dera ter umas asas. Grandes e fortes. Ai, quem dera ter sido abençoado com umas asas, feito mutante, meio homem, meio ave. Com uma independência de ora poder estar aqui, ora poder estar ali. Sem dificuldades, sem barreiras, sem laços. Apenas a vontade de realizar esta viagem...

Mas não, não as tenho. Não nasceram. Não fui agraciado e nasci igual a tantos outros. Numa Era em que é fácil ter umas asas, é certo. Mas não as tenho com a facilidade que gostaria. E, por isso, fico em terra mais vezes que aquelas que desejaria.

Sair daqui já foi um luxo. Agora vai-se com uma maior facilidade e há quem parta com uns trocos no bolso. Mesmo sem asas, vai à boleia de quem segue viagem. Atravessar mares e oceanos, sem grandes esforços, é mais difícil, e ir até ao outro lado do planeta é sempre mais dispendioso. Mas ir até ali, a voar, já pode ser para todos, para aqueles que anseiam em ir à descoberta.

Há sempre quem queira ficar. Quem tenha medo de partir, medo da descoberta, medo do desconhecido. Receio do choque e do embate, do que novas realidades podem despertar no íntimo de cada um. Porque na verdade, no meio de tantas semelhanças, somos todos diferentes. 

Mas há lugares, tantos lugares por descobrir, por conhecer, por viver. Tantos destinos, a pulsar de vida, prontos a nos receber. Quem dera ter umas asas para chegar a todos esses sítios. Para absorver a sua História, as suas gentes, os seus segredos. Para enriquecer por dentro e respirar felicidade. Para testemunhar que este planeta pode ser, afinal, um bom lugar para se habitar. Ai, quem dera ter umas asas.

terça-feira, 26 de novembro de 2013

Almofada de Pedra

Há noites duras. Cruéis. Que podem ser mais frias que a temperatura medida pelo termómetro. Noites daquelas que nos roubam o sono, que nos fazem pensar, que nos levam a dar voltas na cama até não nos conseguirmos libertar do lençol. Noites negras na nossa cabeça, noites claras para a lucidez.

Essas noites metem medo. Muito medo. Porque nos fazem pensar no que não queremos, no que preferimos ignorar ou não ver. Porque provocam dor na alma. São noites incómodas, com ansiedade, com vontade de adormecer rapidamente para se acordar num novo dia. Mas o sono não chega... Outras vezes, com a mente a desdobrar reflexões, o sono é afastado mesmo quando estava tão perto de chegar.

Quantas não são as vezes que chegamos, até, a ter pena de nós próprios... Somos severos em pensamentos com o que fizemos, com o que dissemos, com o que desejamos. Suspiramos em protesto com a nossa personalidade, submissos à razão de que já não vamos a tempo de mudar a nossa essência.

De nada adianta bater no colchão, na almofada, muito menos dar murros no ar. Nada vai mudar, mesmo que se acabe com a escuridão do quarto. A luz não vai trazer a sanidade, quando essa, afinal, estava na escuridão. À claridade, tudo se torna dissimulado, fingido, esquecido. À claridade, tudo é ignorado.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

«Se soubesse, tinha trazido um livro!»

Espera-se muito numa sala de espera. Na verdade, se fosse para entrar e não aquecer o lugar, chamar-se-ia «sala de passagem». Mas não. Chamam àquelas salas, onde se passam horas, até, de «sala de espera».

Seja de um hospital, clínica ou dentista, é raro chegar-se a um destes locais e não esperar. «Aguarde por favor na sala de espera», ouvimos. E esperamos. Mas nunca ninguém está pronto para esperar. Nunca, ninguém, está mentalizado para aguardar pelo que quer que seja. É-se impaciente, olha-se pela janela, consultam-se as horas vezes a fio, inventam-se mensagens por telemóvel para enviar. Enquanto se espera. Enquanto se controla o tempo.

O tempo não pára. Nunca. Mas também não acelera. E, sempre que se espera, parece que ele passa mais devagar, lentamente, a passo de caracol. Matreiro, brincalhão, arreliador. A paciência, essa, é que é inimiga do tempo e, numa sala de espera, os dois entram em conflito. A paciência acredita, profundamente, que ele se arrasta; mas ele, sempre no seu ritmo, vai passando sem «dar cavaco» a ninguém.

Um dos pés começa a bater, ritmicamente, no chão. As mãos esfregam-se uma na outra. Os olhos acompanham todas e quaisquer movimentações. Não há meio de a espera terminar! Pega-se no telemóvel. «Abençoada internet móvel!», louva-se. Vê-se tudo o que havia para consultar e mais o que se inventou. A bateria ameaça esgotar-se. Menos a espera, essa é que não se esgota. Arruma-se o telemóvel e suspira-se. Quantos suspiros já se soltaram?

Há quem adormeça. Quem é vencido pelo cansaço da espera, nunca resiste ao peso das pálpebras. Não se inibe de dormir à frente de quem quer que seja, por mais que a cadeira daquela sala seja dura, fria e impessoal. E deixa a cabeça tombar, para trás, para a frente e para os lados, ao ritmo do sonho. Ao lado há sempre alguém acordado, a apreciar essa pessoa, a controlar o relógio na parede, atento à chamada dos pacientes.

Revistas perdidas no tempo, velhas e folheadas vezes sem fim foram deixadas por ali. Há quem pegue nelas para passar o tempo, há quem as ignore por já as conhecer «de cor e salteado». E, inevitavelmente, conclui-se que não há mais o que inventar para fazer frente à espera interminável. Quanto tempo já passou? Quanto, ainda, falta aguardar? Acaba-se sempre por jurar que, para a próxima, vir-se-á preparado para a longa demora. E, antes do suspiro final que dá origem ao abandono daquele espaço, há ainda lugar para um último desabafo: «Se soubesse, tinha trazido um livro!».

domingo, 24 de novembro de 2013

Estados de alma

Abro os estores e olho pela janela. Lá fora, o céu límpido e azul traz um sol convidativo. Um sol que entra pela janela e ilumina a divisão. Um sol longínquo, tão longínquo que não chega para queimar.

Olho para a rua. Vazia. Vazia de gente e de vida. Tão cheia de carros estacionados. Tão cheia de prédios cheios de gente. Está frio. Mas está sol, luminoso e convidativo. A chamar para a rua, para passeios dominicais, para fora do conforto do lar. Para a vida.

E eu cá dentro, a olhar pela janela, a olhar para o sol que se mantém descoberto num céu rasgado por um prédio e outro. E penso, e pondero, e penso, e questiono. Para onde vou? Quero estar como os outros, como aqueles que encheram as ruas cheias de carros estacionados. Parados. Sem sinais de vida. Como aqueles que, mesmo com um sol a brilhar no céu, preferem estar onde mais ninguém está.

Está frio. Gelam-me os dedos, gelam-me as mãos, gelam-me os pés. Gela, até, a ponta do nariz. Mas está sol. Um sol brilhante. Um sol que diz que é seguro sair daqui. Mas eu quero estar aqui. Quero, sim. É aqui que eu quero estar. Como sempre. Como quase sempre. Nesta doce solidão.

Abro a janela. Confirmo que está frio. Maldito frio! O ar gélido invadiu a divisão. Mas está sol. Um sol impotente, sem força para aquecer o corpo e a alma. Um sol incompreendido, que se lhe exige mais que o que pode dar. Mas que, mesmo assim, nos convida a sair para a rua. E eu não quero. Não vou. Vou, sim, ficar aqui. Neste meu casulo. Neste meu lugar. Onde nem o sol, nem o frio vão ficar.

Amar & Arrotar

Amar e arrotar são dois actos que podiam, perfeitamente, andar de mãos dadas. Parece estranha esta ligação, mas, afinal, o que é que não há de estranho no amor? Ah, sim, porque arrotar é a coisa mais banal que há!

Dizem, os levianos, esses doidivanas, que quem não ama não vive. Não respira. Não sente. Que amar é viver e que entregar-se a alguém é perder as estribeiras, encontrar o êxtase de felicidade. Aquele êxtase que se apaga quando as coisas dão para o torto, é verdade... mas isso são contas de outro rosário. Que andar apaixonado é sonhar acordado, que dormir é entregar-se aos desejos mais íntimos. É, talvez, a maior das palermices, esta coisa do amor. Esta coisa da paixão. Esta coisa dos desejos. É, certamente que é, palerma aquele que não o deixa libertar-se.

Deitar cá para fora esse sentimento é como rasgar as amarras. Sem medos. Sem hesitações. Sem receios. É fugir dos tabus, dos preconceitos. É encontrar o ponto de equilíbrio entre a essência do ser e a harmonia da ligação com alguém. É mostrar-se ao natural, é entregar-se sem mentiras, é confiar de olhos fechados. É deitar tudo cá para fora de forma verdadeira.

Mas não é só o amor que deve ser libertado desta masmorra interior. De cá do fundo. Do lugar mais escondido e resguardado. Também a fúria, a raiva, os medos, as frustrações, os risos, as lágrimas, os devaneios, a insanidade, a falta de paciência, as ilusões, a ironia, as mágoas e tantas, tantas outras coisas devem ser deitadas cá para fora. Como um arroto. Sem controlar, sem pensar, sem poder evitar. Porque a vida também deve ser vivida de forma imprudente. Como um apaixonado sem noção: sem noção do tempo, sem noção dos pensamentos, sem noção da força das palavras proferidas.

Arrotar, e arrotar bem alto, esquecendo a etiqueta e a pseudo-boa-educação. De forma corajosa, cheia de virilidade, cheia de vida. Deitar tudo isso cá para fora. Saber dizer as verdades à maneira de cada um, não engolindo «sapos», nem deixando atravessado na garganta o que não se quer. Porque amanhã é sempre tarde para se dizer o que já havia de ter sido dito.

Se isto tudo não é verdade, são, então, devaneios meus. Puros devaneios. Nada mais que devaneios. Que culpa tenho eu que «amar» e «arrotar» possa estar na origem de «amarrotar»?!